A Casa Sueli Carneiro fez uma parceria com o projeto Cartografia Negra para mapear os territórios negros históricos e de memória que foram apagados do Butantã, na zona oeste da cidade de São Paulo. O ponto de partida foi a casa onde filósofa e ativista Sueli Carneiro morou por 40 anos e, a partir disso, procuramos outros locais de vivências negras na região, como a Favela São Remo. O objetivo é divulgar e dar visibilidade a outras narrativas negras deste território junto à construção da Casa Sueli Carneiro.
Cartografia Butantã
Pesquisa realizada pelo coletivo Cartografia Negra no segundo semestre de 2022 sobre memórias negras no Butantã.
Pontos de pesquisa
Rua Professora Gioconda Mussolini**, 259
Está localizada no subdistrito* do Butantã, no bairro Vila Gomes, a uma quadra da Avenida Corifeu de Azevedo Marques, onde mais adiante sentido Vila Lageado se encontra próxima de outro ponto da pesquisa, a Favela São Remo.
A história que se tem registro oficial do Butantã é bem antiga, parte de 1607, segundo os registros do site da Prefeitura de São Paulo conta-se que o subdistrito era rota de passagem de bandeirantes e jesuítas, além de ter sido na região que o bispo Afonso Sardinha montou o primeiro engenho de açúcar.
Nesta página lê-se ” Foi na região do Butantã que Afonso Sardinha montou o primeiro trapiche de açúcar da vila de São Paulo, em sesmaria obtida em 1607.” Trapiche é uma das formas de nomear um engenho de açúcar, havia diferenciações entre como eram chamadas essas construções, alguns eram os engenhos reais maiores e movidos a água e outros eram os chamados trapiches, molinotes e engenhocas movidos por animais, normalmente bois ou burros.
É necessário que se olhe com a devida atenção essa frase pois ela encoberta o nome engenho que estamos mais familiarizadas e não cita quem construiu e nem quem trabalhava nesta casa. O único nome citado nessa narrativa é do bispo Afonso Sardinha, um homem branco.
O Brasil foi um país escravocrata que construiu sua riqueza sob o trabalho compulsório de pessoas que ou foram invadidas (povos originários) ou foram sequestradas (povos do continente africano), então podemos deduzir que quem construiu e trabalhou nesse engenho foram essas gentes e fica a pergunta quem eram essas pessoas? quais as suas histórias?
Em 1930 temos a impressão de um mapa que o Butantã aparece com seus bairros demarcados ( Vila Gomes, Vila Butanta ), chamado Mapa Sara I Mapa Tophografico do Município de São Paulo que auxiliaria no loteamento horizontal do bairro que ocorreu entre as décadas de 1950 a 1980 de forma intensa.
Ao trazer esse breve panorama acerca dos registros sobre a história do Butantã, queremos olhar e saudar as narrativas negras desse bairro, como foi e será (quando aberta ao público) a Casa Sueli Carneiro.
A casa na rua Gioconda Mussolini foi o lar da filósofa de 1977 a 2017, onde eram realizados diversos encontros que reuniam ativistas, escritores, artistas interessados com as diversas pautas referentes aos movimentos negros.
*Subdistrito é uma demarcação administrativa a nível municipal que não tem autonomia política em alguns casos, como da o cidade de São Paulo, pode sediar subprefeituras
**A professora Gioconda Mussolini nasceu no ano de 1913. Foi professora do setor de Antropologia do Curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. https://dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/
Favela São Remo
A Favela São Remo fica localizada na zona oeste de São Paulo, no subdistrito do Butantã, próximo das Avenidas Rio Pequeno e Corifeu de Azevedo Marques, umas das mais movimentadas avenidas da região. Ela se encontra em um terreno ao lado da Universidade de São Paulo (USP) e sua origem tem ligação direta com o campus da USP Butantã.
Entre os anos 60 e 70, com o projeto da construção do campus para começar, muitas famílias que migraram do nordeste brasileiro para São Paulo, em busca de mais oportunidades de trabalho e melhores condições de vida, buscaram ali seu trabalho e moradia. Ali foram construindo sua vida enquanto construíam a Cidade Universitária, com o fim das obras, as empresas responsáveis saíram de lá, porém a comunidade que se criou continuou ocupando os terrenos onde fizeram seus alojamentos e depois suas casas, terrenos esses que pertenciam a universidade, lembrando que a USP é uma faculdade pública, logo suas terras também são.
Em 1986, se inicia o Plano de Recuperação de Áreas da USP, a favela já tinha densidade e complexidade maiores do que as demais comunidades da região, sendo assim os problemas recorrentes ficaram para um trabalho de longo prazo e a favela se organizava e crescia cada vez mais se tornando permanente. Neste mesmo ano, foi feito um documentário por parte de um grupo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, chamado Projeto Sudeste II – Sintoniza na São Remo , que traz dados da época, conta um pouco sobre como era o relacionamento da Universidade com a São Remo e também depoimentos de moradores que faziam parte da comissão de moradores, no período em que as reivindicações foram feitas por parte dos moradores para a reitoria. Este documentário pode ser encontrado facilmente no youtube.
Após algumas décadas, a partir de 1990, começaram a ser desenvolvidos alguns projetos de atendimento à comunidade. Apesar de muitas dificuldades e questões resultantes da ausência de governo e grandes projetos de desenvolvimento social na região, a São Remo, fica localizada ao lado da USP, próximo a saída do Hospital Universitário, logo tendo acesso a esse hospital, possui uma UBS, possui projetos nas áreas da cultura e esportes, estando ao lado da avenida Corifeu, uma das grandes avenidas da zona oeste de São Paulo, a região é servida por muitos comércios. Tendo em vista essa localização privilegiada, ela se mantém sempre ameaçada pela especulação imobiliária e todos os tentáculos da indústria da construção civil.
Aqui fica também, uma obra de audiovisual feita dentro da Favela São Remo, com a participação das crianças da área.
Rio Pirajussara
O Rio Pirajussara nasce e perpassa pelas cidades de Embu das Artes e do Taboão da Serra até chegar em São Paulo. Seu curso é canalizado em galeria fechada em alguns trechos, corre embaixo da Avenida Eliseu de Almeida, para por fim desaguar no Rio Pinheiros, na altura da atual estação de trem da CPTM Cidade Universitária.
Quando chove, suas águas sobem e muitas vezes enchentes tomam seus entornos. Situações como essa são descritas no minidocumentário “Pirajuçara – Bacia do concreto”, de 2008, dirigido por Edu Abad e Marco Meirelles e roteirizado por Alexandre Kishimoto, que conta sobre a ocupação e a moradia nessas áreas – regiões mais distantes do centro e com aluguéis mais baratos para a população que trabalha em São Paulo. No vídeo, moradoras/es relatam sobre o risco dessas enchentes prejudicarem suas casas e sobre a falta de saneamento básico nas regiões. O minidocumentário traz à tona a atuação de movimentos sociais que lutam politicamente pela mudança dessa situação: a Associação Zumaluma e o grupo de Combate a enchentes do Poá e Pirajuçara (CEPP).
Em 2014, chuvas intensas nas margens do Rio, em Taboão da Serra, levaram desde carros até pessoas com suas águas. Depois desse acontecimento, surgiu o evento “Graffiti contra enchentes”, (idealizado por Agnado Mirage e Gamão, liderança do projeto e responsável pelo Racha Kuka Produções) que já teve seis edições. Um dos objetivos do evento era mudar a paisagem do bairro depois de ter sido atingido por essa enchente em 2014. Desde então, o “Graffiti contra enchentes” reuniu artistas do Brasil e do mundo – não apenas das artes plásticas como também da música.
Essas enchentes são constantes nas margens do Rio e vêm acontecendo há anos e, provavelmente, séculos. Desde a década de 60, inundações do Pirajussara viraram notícias de jornal, segundo “Às margens: plano urbano para a bacia do rio Pirajuçara”, trabalho final de graduação (TFG) desenvolvido por Camilla Freitas sob orientação de Maria Cecília Lucchese para conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal de São Paulo (IFSP/SPO) em 2018.
Porém, já nos anos 10 do nosso século temos registros do Rio Pinheiros da “Várzea do Pinheiros alagada” e há registros do século XVII a respeito da ponte do “Botatan” estar desmanchada – além disso, “A dificuldade para cruzar e ocupar as largas, alagadiças e insalubres várzeas dos rios Pinheiros e Tietê foram fatores de contenção do crescimento da malha urbana da cidade de São Paulo”, segundo o texto “História do subúrbio Vila Pirajussara: produção e reprodução do espaço urbano”, de Fernanda Accioly Moreira, de 2007.
Há ainda documentos que revelam a vivência de quilombolas na região de Pinheiros e sobre pessoas negras aprendendo técnicas com povos originários em relação a caça e pesca, bem como ao “conhecimento topográfico necessário para saber onde esconder, fugir, defender-se”, de acordo com “Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX – Ana Gertrudes de Jesus” (p.115), de Maria Odila Leite da Silva Dias, de 1984. A própria palavra Pirajussara (ou Pirajussara) significa “peixes muito grandes”, no Tupi, segundo o Dicionário de Ruas de São Paulo.
Hoje, ao recordarmos as regiões por onde o Rio passa, mais algumas referências negras de cultura / educação que vêm à mente (dentre tantas outras) são: Maria Auxiliadora da Silva, Raquel Trindade, Solano Trindade, Tula Pilar, Clarianas, Candongueiros do Campo Limpo, Núcleo de Consciência Negra da USP e Contramestre Pinguim, Luiz Antonio Nascimento Cardoso, do Núcleo de Extensão e Cultura em Artes Afro-brasileiras da USP.