Enchentes no Sul, seca e ondas de calor no Centro-Oeste, tempestades no Sudeste. Esses eventos climáticos extremos impactam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, como pessoas periféricas, quilombolas, indígenas e ribeirinhas. A agenda climática, antes esporádica no debate público, tem se intensificado, ultrapassando os limites de fóruns especializados.
Nesta semana, muitos brasileiros tomaram conhecimento de que autoridades governamentais, organizações e especialistas de todo o mundo estão reunidas em Baku, no Azerbaijão, para a COP 29 (29ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudança Climática). Nosso convite é que acompanhemos este evento pelos olhos das pessoas diretamente afetadas pelas mudanças climáticas e que atuam em seus territórios para enfrentá-las.
Esse encontro anual visa discutir e negociar ações coletivas de 197 países e da União Europeia para o enfrentamento das mudanças climáticas. O Acordo de Paris, firmado na COP 21 de 2015, estabeleceu metas de mitigação (redução de gases de efeito estufa) e adaptação (infraestrutura, acessos e políticas públicas), no entanto, dez anos depois, avançou-se pouco nos objetivos de mitigação, adaptação e transferências de tecnologia, capacitação e compensação por perdas e danos.
Os recursos prometidos por países desenvolvidos para apoiar os países em desenvolvimento têm sido insuficientes, e um dos grandes temas da COP 29 será a definição de uma nova meta de financiamento climático. Esperava-se avanços durante o encontro em Bonn, na Alemanha, em junho, mas ainda há disputas sobre o montante a ser destinado, fontes públicas ou privadas, e as responsabilidades dos países.
Com muito esforço, organizações lideradas por populações negras, indígenas, quilombolas e periféricas se prepararam para participar do evento, buscando apropriar-se do vocabulário da COP e apresentar os saberes ancestrais de cuidado ambiental de seus territórios.
Essas organizações não apenas querem apenas se fazer representar, mas também discutir temas como justiça climática, combate ao racismo ambiental e a proteção de seus territórios. Buscam ainda garantir mais financiamento para suas iniciativas e maior participação nos processos decisórios, com capacidade de influenciar as políticas públicas.
Nosso convite é que possamos ir além das narrativas oficiais do sistema ONU e governos locais na cobertura da COP 29. Que acompanhemos pelos olhos dos grupos da sociedade civil e de movimentos sociais territorializados que pautam a agenda ambiental e racial (nacionais e internacionais), que ouçamos suas vozes. Entre elas estão: Casa Sueli Carneiro, Geledés – Instituto da Mulher Negra, PerifaConnection, Alma Preta, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Perifa Sustentável e Amazônia de Pé. Essas vozes têm poder de traduzir os difíceis debates os complexificando e, se elas não ecoarem todas as mudanças desejadas nos documentos aprovados em Baku, certamente terão o papel de fortalecimento da resistência local, capacidade de gerar maior conhecimento e aproximação nacional dos saberes tradicionais e suas respostas para a crise, podendo ainda gerar impactos positivos no desenho de nossas leis e políticas públicas.
Natália Neris – Doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP e Coordenadora de Incidência Política da Casa Sueli Carneiro.