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A matri-gestão da leitura: Marina Prado, da Paraíba, gestou coletivamente a sala de leitura do Quilombo Caiana do Crioulos! 

15/10/24

“Aqui na Paraíba, os quilombos têm uma característica muito forte de ’matrigestação’, ou seja, a liderança feminina é muito presente. É importante entender, para além do gênero, as potências envolvidas”

Marina Prado, participante do Programa Ler o Brasil, é uma das mulheres contempladas pelo edital de construção e cultivo da Sala de Leitura Prof. Luciene Tavares, do Quilombo Caiana dos Crioulos, na Paraíba.

A leitura sempre teve, para a educadora, um papel de gestação de idéias, sonhos e desejos. Foi uma ponte entre ela e a mãe, entre ela e a comunidade quilombola Caiana dos Crioulos, entre ela e a universidade, e entre ela e a Casa Sueli Carneiro. 

“Minha relação com a leitura começou com a minha mãe.  Minha mãe trabalhou muito, em três turnos, manhã, tarde e noite, e sempre gostou muito de leitura. Essa paixão dela foi sendo transmitida aos poucos para mim, consolidando-se com o tempo. Só mais tarde essa conexão se ativou com mais força.”

Durante o mestrado em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba, Marina decidiu entrar no curso Ler o Brasil, e a partir dele, se inspirou para construir uma sala de leitura dentro do quilombo. “Aprendi com outras pessoas e, além disso, encarei a questão: ‘Você é uma mulher quilombola ou não?’. Sou uma aprendiz nos quilombos e estarei eternamente nesse papel”, conta. 

A decisão de tornar a casa da Prof. Luciene Tavares em Sala de Leitura, veio como vontade de homenagear essa mulher que lutou e luta pela educação e pelos direitos quilombolas na Paraíba, que também nasceu nesta mesma casa.

“Para você ter uma ideia, essa sala é a casinha onde Luciene nasceu. Ela veio ao mundo com muita generosidade em torno dela, embora a história seja um pouco difícil de resumir A mãe dela, Maria, recebeu das mãos de sua enteada a menina que sempre sonhou mas não podia gestar”, recordando a história de Luciene, Marina se emocionou e frisou a importância do gestar sonhos, vidas, transformações no seu processo de coordenação da sala. 

As e os jovens que frequentam a sala e a cultivam, realizaram um ritual para que seus sonhos se tornassem verdade. Em uma quartinha consagrada com água e espada de Ogum, mergulharam papéis que tinham suas vontades e desejos. Muitos e muitas queiram viajar, ganhar o mundo, conhecer outros territórios e levar sua história para além dos limites do quilombo. E está acontecendo, a juventude quilombola foi contemplada pelo curso Dragon Dreaming, do instituto Sebrae Paraíba, e puderam fazer incidência política a favor do 18 Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

“Esse princípio feminino de gestação está muito presente, entendendo a gestação não apenas no sentido biológico, mas também de ideias e projetos. Para equilibrar, há também o princípio masculino, representado pela espada de Ogum, ou São Jorge, que simboliza a proteção e a fecundação “Para nós, que estávamos à frente desse processo, tudo fluiu de forma surpreendente. De repente, surgiram oportunidades, como os congressos, que são espaços para os jovens mostrarem sua identidade, ocuparem outros lugares e, o mais importante, se reconhecerem”. 

Hoje, a Sala de Leitura não é apenas um espaço de livros, mas de fomento à incidência política, que encanta e potencializa os jovens do território, um lugar de passagem turística, e que abriga o Museu do Coco e da Ciranda, uma expressão cultural local. 

E os desafios seguem também na parte técnica, como na preservação e documentação dos arquivos da Sala, uma vez que o espaço é de alvenaria e barro, contém umidade e não tem uma estrutura preparada para receber livros, papéis e documentos. Neste quesito, Marina frisa a importância das aulas de Ionara Lourenço, coordenadora de acervos da Casa Sueli Carneiro, e a disponibilidade de Ionara para pensar em métodos de catalogação e armazenamento a partir da realidade do quilombo. 

“Toda semana, pelo menos uma vez, nós buscamos estar lá e desenvolver atividades com eles, seja no trabalho de catalogação das doações que recebemos, seja nas discussões e intervenções artísticas. Eles aprendem a “ler o Brasil”, mas de uma forma diferente, cheia de desafios. Não vou mentir, não é fácil, principalmente pela catalogação e pelas condições físicas do espaço. Não é uma casinha de barro, mas tem cobertura de barro. As condições climáticas dificultam bastante.”

A Sala de Leitura segue em funcionamento, com atividades presenciais e on-line, buscando cultivar, fomentar e potencializar a comunidade quilombola! 

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