Incidência Política

Contribuições da Casa Sueli Carneiro para o evento paralelo ao G20 “Estados do Futuro”

Mesa de Diálogo: Diversidade e Inclusão para o Verdadeiro Desenvolvimento
Este ano, o Brasil assumiu  a presidência do G-20, e colocou como prioridades o combate à fome, à pobreza e à desigualdade, o desenvolvimento sustentável, e a reforma da governança global. 

Neste contexto, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI), realizou de 22 a 26 de julho, no Rio de Janeiro, o “Estados do Futuro”, com foco nos desafios enfrentados pelos Estados.

O objetivo foi debater os desafios do século XXI e o papel do Estado na promoção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável e socialmente justo. Bianca Santana foi convidada para contribuir com a mesa de diálogo: Diversidade e Inclusão para o Verdadeiro Desenvolvimento, na manhã de 25 de julho, na sede do BNDES.

Compuseram a mesa:

Alejandra Faúndez – Diretora Regional para a América Latina, Consultoria Inclusión y Equidad

Bianca Santana –  Diretora Executiva da Casa Sueli Carneiro.

Carolina Almeida – Associada, Assessoria Internacional, Geledés Instituto da Mulher Negra

Cristiane Julião Pankararu – Integrante da APIB, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e representante dos povos indígenas no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético.

James Green – Professor Carlos Manuel de Céspedes de História Latino-Americana na Brown University e Professor de Estudos Portugueses e Brasileiros.

Rene Silva – Fundador e Editor-chefe do Voz das Comunidades

Coordenadora: Daniela Gorayeb, Chefa de Assessoria Especial de Participação Social e Diversidade do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

Moderador: Jairo Marques, jornalista, Folha de São Paulo.


Segue a intervenção de Bianca Santana, da Casa Sueli Carneiro, com duração de 10 minutos:

Agradeço muito pelo convite para estar aqui. Obrigada Daniela e todas as pessoas que estão trabalhando pra que esse diálogo seja possível. Hoje é o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. É também Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

A imaginação política das cerca de 350 mulheres que se reuniram em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992, para propor essa data e afirmarem a necessidade da consolidação de um sujeito político chamado mulher negra abriu a possibilidade de termos essa conversa hoje. A elas sou grata e nelas busco inspiração.  

Só conectada a essa força é possível ter esperança em dialogar sobre propostas para aprimorar um Estado que está prestes a aprovar, também no Senado, uma PEC que anistia partidos políticos por terem descumprido a legislação eleitoral. Os mecanismos de garantir tempo de televisão e recursos do fundo eleitoral para mulheres e candidaturas negras, arduamente articulados pela deputada Benedita da Silva, sociedade civil e STF, foram descumpridos pela maioria dos partidos políticos. E estes mesmos partidos que descumpriram a legislação votaram, por seus deputados e deputadas, por perdoarem essa infração e não aplicarem as sanções previstas pela Lei. 

É uma esperança sem muito fundamento que as recomendações formuladas nessa mesa de trabalho possam virar políticas, e que tais políticas serão executadas por esse Estado que anistia quem alija mulheres e pessoas negras pela possibilidade de serem eleitas, ainda que para isso seja necessário descumprir a lei. Só num otimismo tolo, para usar as palavras de Ariano Suassuna, é possível seguir a conversa. Porque até o realista esperançoso não teria como.

Vamos às perguntas a mim direcionadas:

•” Como os mecanismos de recrutamento para o serviço público podem ser aprimorados para priorizar maior diversidade?”

  • é necessária a ampliação e aperfeiçoamento das cotas raciais e de gênero nos concursos públicos, 

(exemplo do  Projeto de Lei nº 1958/2021, que amplia a vigência da política de cotas, inclui quilombolas e indígenas, em uma cota ampliada para 30%.Aprovado no Senado , tramitando na Câmara);

  • é imperativa a fiscalização da aplicação da lei, porque há fraude;
  • precisamos repensar critérios de seleção e promoção. O que se valoriza nas provas é o fundamental para o exercício do cargo? Ou é reprodução do chamado pacto narcísico da branquitude, formulado por Cida Bento? Ou seja, o que eu pergunto para selecionar ingressantes no serviço público prioriza quem estudou em escolas de elite e tem determinado  conteúdo formal em detrimento das habilidades necessárias à execução de políticas? Atenção aos critérios e aos conteúdos das provas!
  • são necessários mecanismos para garantir diversidade também nos cargos de poder e comando.

• “Como garantir que essa representatividade de grupos sociais não se limite a uma presença meramente formal, e que garanta a proximidade dos grupos representados na formulação de políticas públicas?”

Estamos aqui falando sobre duas coisas diferentes.

A primeira, ter pessoas negras, indígenas, trans, mulheres, pessoas com deficiência representadas na formulação, execução e fiscalização de políticas públicas, na mesma proporção demográfica da população brasileira. Isso é importante, fundamental, ainda que possa ser meramente formal. Forma importa e forma é conteúdo.

Segunda, todas as pessoas que trabalham no poder público, sejam elas de qualquer grupo racial, social e de gênero, precisam estar comprometidas a estruturar políticas de enfrentamento das desigualdades em diálogo com grupos sub-representados. Ou seja, homens brancos funcionários públicos são tão responsáveis por criar e implementar políticas de enfrentamento ao racismo como as mulheres negras. E mulheres negras ou indígenas precisam ter proximidade e fazer consultas aos grupos sub representados tanto quanto os homens brancos. É preciso compromisso, articulação, escuta, vontade política de quaisquer servidores.

E podemos aqui também falar sobre critérios.

Lideranças de movimentos sociais, lideranças comunitárias, reconhecidas em seus territórios,  podem não dominar os códigos da burocracia do Estado, mas podem ter o compromisso, o olhar, a priorização necessária para boa execução das políticas públicas.

Lembro do Lipsky, com a burocracia do nível da rua, pra reforçar que mesmo as leis, Projetos e processos desenhando as melhores políticas, quem as aplica é quem está no balcão, no contato direto com a população.

É preciso inovar, ousar. Assim como os pontos de Cultura,  no governo Lula 1, com Gil Ministro, inovaram nas possibilidades de colocar dinheiro.do governo cultural a quem produzia Cultura lá na ponta, criando mecanismos e métodos novos, podemos também criar na gestão pública modos de  ter lideranças comprometidas na formulação e execução das políticas. Como as tecnologias podem nos ajudar nisso? Como a chamada inteligência artificial, em vez de substituir o trabalho humano, pode apoiar o olhar apurado, sensível e comprometido? Como as tecnologias digitais podem acrescentar eficácia e eficiência ao olhar sensível e comprometido das pessoas para a boa execução do serviço público?

• “Quais podem ser as estratégias dos movimentos sociais para superar a ideia de que os debates sobre a diversidade colocam em risco a universalização dos direitos, ao dispersarem as reivindicações? E, como o Estado pode incorporá-las efetiva e centralmente, e não apenas como pautas secundárias ou parciais?”

É muito pouco tempo. Então eu gostaria de evocar Milton Santos, citando 2 trechos de “Por uma outra globalização “ publicado no ano 2000.

O primeiro, da introdução:

“A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantemente da atualidade é feira de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. […]  Há uma busca de uniformidade, a serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.”

O segundo, do capítulo 30:

“O que até então se chamava de história universal era a visão pretensiosa de um país ou continente sobre os outros, considerados bárbaros ou irrelevantes. Chega-se a dizer de tal ou tal povo que ele era sem história…”

 Ou seja. Esse universal dos homens brancos, que pressupõe poder e direitos somente para eles, é uma falácia ideológica que precisa ser enfrentada.

O universo empírico,  proposto por Milton Santos, deve ser construído por nós, com nossas diferenças, considerando desigualdades. Para universalizar direitos é necessário criar políticas públicas específicas para grupos demográficos e sujeitos políticos específicos. Eu, mulher negra, não tenho reivindicações dispersas. Coloco o enfrentamento ao racismo e ao machismo como central para que mulheres negras indígenas e demais grupos minorizados acessem direitos como todas e todos, para que se cumpra universalmente a Constituição. 

Para o Estado criar políticas transversais efetivas e não tratar nossos direitos como pautas secundárias ou parciais é preciso dinheiro. O Ministério da Igualdade Racial, o Ministério dos Povos Indígenas,  o Ministério das Mulheres precisa de orçamento para trabalhar em conjunto com os demais ministérios de forma efetiva. Não adianta colocar moeda, é preciso orçamento robusto.

E o mais importante: é preciso que o Estado abandone a política de morte efetivada contra pessoas negras e indígenas. Além de deixar morrer, o Estado mata no Brasil. A cada 12 minutos uma pessoa negra é assassinada. E a cada 10 pessoas executadas pelo Estado, em um país que não tem pena de morte legalizada, 8 são negras.

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