Entre os meses de março e setembro de 2021, com apoio do Instituto Ibirapitanga, a Casa Sueli Carneiro se dedicou a identificar organizações e movimentos negros que têm trabalhado a temática da memória. Nas diferentes áreas, da literatura e cinema à historiografia, arquivologia e artes do corpo, iniciamos o desenho de um panorama do campo para oferecer uma contribuição inicial nas formulações de estratégias coletivas de combate ao racismo também pela memória.
Enviamos um questionário online para 85 organizações listadas previamente e também publicamos o formulário em nossas redes sociais. Recebemos respostas de 37 organizações.
Replicamos algumas das perguntas do formulário, como o nome e as características de ações, iniciativas e projetos de memória, na inscrição para o curso Fazedoras de Memória Negra, descrito abaixo. Fomos surpreendidas com 871 formulários preenchidos por pessoas interessadas em uma das 40 vagas do curso organizado e oferecido pela Casa Sueli Carneiro, com o apoio e parceria da Fundação Rosa Luxemburgo. No início de 2022, pediremos autorização às respondentes para acrescentar as iniciativas em nosso mapeamento.
Além dos dados objetivos de quase 900 iniciativas, Ana Letícia Silva realizou 5 entrevistas orientadas à identificação da produção de memória negra, dificuldades e potencialidades, temáticas e imagem de constelação de memória — com Fernando Sousa, Quiproquó Filmes e Museu da República – Acervo Sagrado Afrobrasileiro; Mario Medeiros e Aldair Rodrigues, Arquivo de História Social Edgar Leurenroth da Universidade Estadual de Campinas (AEL-UNICAMP); Nilma Bentes (Centro de estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA); Edson Cardoso (Irohin); Tiago Rogero (Vidas Negras). Também recuperamos entrevistas realizadas por Ana Letícia quando do desenho e planejamento da Casa Sueli Carneiro que trouxeram aspectos para reflexão sobre memória negra — Bianca Santana, Luanda Carneiro, Sueli Carneiro, Gabriela Gaia, Paulo Dias, além das reflexões sobre memória do encontro com José Eduardo Silva Santos (Acervo da Laje) na aula para o curso Fazedoras de Memória Negra.
Este primeiro inventário de atores, iniciativas e articulações exploratórias será permanentemente consultado pela Casa Sueli Carneiro, e certamente será desdobrado em outros projetos e pesquisas. Manter o mapeamento de forma permanente também nos parece uma possibilidade interessante.
Vislumbramos potências de articulação e estratégias coletivas de produção de memória negra:
- na construção de arquivos e acervos;
- na constituição de arranjos institucionais, campanhas, parcerias;
- em projetos de exposição, atividades culturais, espaços de oficinas, de debate, de criar referências para outros espaços da cidade que querem dialogar com espaços de produção mais periféricos;
- na constituição de reservas técnicas adequadas para receber acervos, com condições físicas e grupos de trabalho garantindo arranjos que são essenciais para cuidar de acervos;
- na formação de profissionais especializados para garantir condições adequadas nos espaços para que se desenvolvam trabalhos de pesquisa histórica, comunicação e incidência na mídia;
- levantar documentos que estão guardados nas casas das pessoas, cuidando do significado desses acervos para os seus/suas detentores/as para que os catálogos reflitam sentido para eles/as. Manter contato com as pessoas doadoras de acervos, atendendo necessidades e ajudando em projetos, nutrindo relações com detentores/as dos acervos.
Projetos de memória negra têm potencial de ajudar a construir ações afirmativas e fomentar pesquisas que reconstituem a história do Brasil desde um ângulo novo.
Imaginar a memória negra como constelações em que as várias memórias são estrelas que, em conexão e diálogo por fios imaginários, formam desenhos de constelações. Essas constelações, ao serem mapeadas e enxergadas, vão revelando memória negra em seu conjunto e força. São estrelas que precisam brilhar em torno dessas memórias. Estrelas são as pessoas mais velhas, os griôs, quem detêm o conhecimento ancestral acumulado de vida.
As constelações também trazem a suscitam multiplicidade, rede, conexões, estrelas que conversam entre si, se movimentam, e as ideias também se movimentam como estrelas no céu, como grandes constelações. A memória negra envolve isso, organizações e intelectuais conversam entre si. A preservação da memória negra está embutida em uma ideia de rede, de solidariedade, de diversidade, multiplicidade, cooperação, permanente movimento e circulação.
Todos os corpos celestes são importantes, todas as estrelas brilham, se conectam. Todas as experiências flagradas e reveladas do mundo negro são importantes, e isso é a luta pela memória como corpos celeste da vida negra.
Em constelações, as organizações e iniciativas poderão se enxergar melhor para, inclusive, poderem se apoiar mutuamente conforme suas necessidades, tamanhos, atuações, resistir e avançar.