Avanços, desafios e retrocessos uma década após a 1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras

Taina Silva Santos
Bacharel e mestra em História Social pela Unicamp
Coordenadora de educação e pesquisa da Casa Sueli Carneiro

Em meio à crise política no Brasil no ano de 2015, a 1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras lançou seu manifesto, denunciando como o racismo e o sexismo ainda provocavam interdições na cidadania das mulheres negras brasileiras. A Marcha, que ocorreu no dia 18 de novembro de 2015, contou com mais de 50 mil mulheres negras de todas as regiões do Brasil, que reivindicaram o fim do feminicídio; a investigação dos casos de violência doméstica contra mulheres negras e a penalização dos culpados. 

“Também foi pautado o fim do racismo e do sexismo produzidos nos veículos de comunicação e que promovem a violência física e simbólica contra as mulheres negras; o fim dos critérios e das práticas racistas no mundo do trabalho; o fim das revistas vexatórias nos presídios e das agressões às mulheres negras nas casas de detenção. Além disso, demandamos acesso à saúde de qualidade; a titulação das terras quilombolas; o fim do racismo religioso; e a criação de mecanismos que permitam a nossa efetiva participação na vida pública.”

Dez anos depois da Marcha de 2015, os problemas que acometem as mulheres negras brasileiras praticamente não mudaram, e o Brasil passou por transformações que representaram grandes retrocessos, como a ascensão da extrema direita e o desmonte de uma série de políticas fundamentais para a redução das desigualdades.

Apesar dos avanços políticos conquistados pelo movimento de mulheres negras, a situação dessa população ainda é bastante preocupante. Mesmo sendo o maior grupo populacional no Brasil, como apontou o Censo de 2022, a estrutura desigual que perdura desde a abolição da escravidão ainda faz com que as mulheres negras sejam um dos grupos mais desfavorecidos em diversas esferas da sociedade.

De acordo com o Informe do Ministério da Igualdade Racial – n° 2 Edição Mulheres Negras, por exemplo, a taxa de analfabetismo entre as mulheres pretas e pardas é de aproximadamente 7%, enquanto entre as mulheres brancas é de 3%. As mulheres negras têm menos acesso ao letramento, ainda que as disparidades em termos de anos de estudo tenham diminuído consideravelmente entre 1995 e 2022. Sem dúvida, esse processo é resultado da implementação de políticas de ação afirmativa em diferentes níveis educacionais, como as cotas raciais, a implementação da Lei 10.639 no ano de 2003 e o Estatuto da Igualdade Racial, entre outras.

Contudo, a população negra ainda encontra barreiras para ser absorvida no mundo do trabalho, o que cria obstáculos para o êxito das ações afirmativas de forma global. Se observarmos os dados sobre o mercado de trabalho até 2023, por exemplo, nota-se que as mulheres negras são quase metade das trabalhadoras informais no Brasil, enquanto as mulheres brancas na mesma posição correspondem a 35% do total.

A situação das mulheres negras no trabalho doméstico também é alarmante e, consequentemente, reflete esse cenário. 69% das trabalhadoras domésticas são negras; 76% delas trabalham sem carteira assinada; e quase 65% delas não contribuem para a previdência social, de acordo com os dados do Dieese.

Além disso, é notável o crescimento no número de casos de trabalho análogo à escravidão envolvendo mulheres negras. E as decisões judiciais que têm favorecido os escravizadores têm gerado preocupações.

Em 2023, por exemplo, o desembargador (juiz de segunda instância) Jorge Luiz de Borba e sua esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, foram processados por manter Sônia Maria de Jesus em condições análogas à escravidão por quarenta anos. Durante esse período, ela foi privada de ir à escola, ter documentos, receber salário e ter direito ao descanso garantido.

Consequentemente, a trabalhadora acabou desenvolvendo nódulos no útero e foi encontrada com a saúde bucal em péssimo estado. Além disso, de acordo com relatos de ex-funcionários da casa, ela não era levada ao médico quando tinha problemas de saúde. Devido ao fato de Sônia não ter podido frequentar a escola e ser surda, ela não aprendeu a Língua Brasileira de Sinais, o que inviabilizou a comunicação dela. Ainda segundo os depoimentos, a patroa a maltratava com beliscões e puxões de cabelo. 

Após o resgate e a instalação da trabalhadora em um abrigo para mulheres vítimas de violência, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Mauro Campbell Marques, determinou que Sônia poderia voltar à casa da família Borba, após ouvir alguns depoimentos e considerar um pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva da trabalhadora doméstica.

Se considerarmos os dados sobre saúde e segurança pública, também vemos que o cenário não mudou muito. Pois as informações do último censo mostraram que as mulheres negras têm o pior acesso à saúde, apesar de estarem mais expostas a situações de risco. E os dados do Atlas da Violência apontaram que mais de 61% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres negras.

É fato que a ampliação do consumo mudou a situação da população de toda a América Latina, transformou as subjetividades e a forma como as pessoas passaram a lidar com a noção de cidadania e de direitos. Contudo, isso não representou mudanças estruturais capazes de mudar a situação das mulheres negras na sociedade brasileira e nem a nossa necessidade de lutar por dignidade e pelo bem-viver.

Sendo assim, levantamos as nossas vozes mais uma vez e marchamos juntas no dia 25 de julho de 2025 (Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha) exigindo justiça, igualdade, respeito e reparação. E, em novembro, estaremos novamente em Brasília, reafirmando o nosso propósito, cobrando ações efetivas dos poderes públicos e ampliando a consciência da sociedade em relação à gravidade dos impactos provocados pelo racismo, pelo sexismo e pela pobreza.

Fotografias do banner: @_afrobela_/Casa Sueli Carneiro

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