Casa Sueli Carneiro na FLIP: Memória Negra no centro das discussões

Por Maitê Freitas, gerente de projetos e operações | Natália Neris, coordenadora de incidência política

Nos dias 1, 2 e 3 de agosto a Casa Sueli Carneiro esteve em Paraty, participando da programação da Casa Poéticas Negras, da FlipEduca e da Flip Preta, organizada pelo Quilombo do Campinho. Em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, ao longo dos três dias, representada pela gerente de projetos Maitê Freitas e a coordenadora de incidência Natália Neris apresentaram as ações realizadas pela Casa Sueli Carneiro para o público de Paraty.

Cerca de 34 mil pessoas passaram por Paraty no último fim de semana para participar da FLIP – Feira Literária de Internacional de Paraty. O evento, que homenageou o poeta Paulo Leminski, contou com uma programação intensa, tanto na sua curadoria principal quanto nas atividades independentes promovidas pelas 25 Casas parceiras. Paralelamente, aconteceu também a FLIP Preta, iniciativa promovida pelo Quilombo do Campinho para celebrar exclusivamente autores e autoras negras. 

Neste ano, a Casa Sueli Carneiro marcou presença em três programações: na Casa Poéticas Negras, na FLIP Preta e na FlipEduca. A seguir, compartilhamos os destaques da participação institucional conduzida por Maitê Freitas (gerente de projetos) e Natália Neris (coordenadora de Incidência Política).

Ocupação Casa Sueli Carneiro na Casa Poéticas Negras 

A Casa Poéticas Negras é um espaço de valorização, promoção e difusão das expressões artísticas e literárias afro-brasileiras, atuante em Paraty desde 2019 sob a liderança de Angela Dacor. Com curadoria coletiva proposta pelas editoras, instituições e coletivos, a Casa Poéticas Negras abrigou ao longo dos cinco dias de evento, mesas e shows que tiveram um público garantido em mais de 40 horas de programação, reunindo nomes como Conceição Evaristo, Dona Benedita Martins, Aline Rochedo, Renato Nogueira, Alex Ratts, Dandara Suburbana, Cláudia Alexandre, entre outros.

Da esquerda para direita: Natália Neris, Maitê Freitas, Mafuane Oliveira e Chris Gomes.

Na sexta, dia 1 de agosto, iniciamos a “Ocupação Casa Sueli Carneiro” com a roda de conversa “Fazedoras de Memórias: educação, resistência e legado” com Mafuane Oliveira facilitadora do curso Fazedoras de Memórias Negras, Dona Benedita da Silva (Editora Muvuca) e Aline Pachamama (Editora Pachamama), mediada por Natália Neris. Foi um momento bonito de troca de saberes afro-indígenas e especialmente, um momento emocionante ao ouvirmos Dona Benedita — liderança quilombola de Paraty — compartilhar sua trajetória.

Da esquerda para direita: Mafuane Oliveira, Aline Pachamama, Benedita Martins e Natália Neris

Na mesa Memória de Mulheres Negras em Marcha: histórias, territórios e futuros comuns que contou com mediação de Chris Gomes (coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo) contribuímos para a mobilização da Marcha das Mulheres Negras, com reflexões sobre sua historicidade, organização coletiva e memória política. Um passo importante na articulação de ações em direção à Marcha, marcada para 25 de novembro de 2025.

“Participar da mesa ao lado de Dona Benedita e Aline Rochedo foi uma honra e também um chamado à escuta profunda. Dona Benedita ao compartilhar parte de sua biografia, nos atravessou com memórias que são, ao mesmo tempo, pessoais e coletivas, me vi diante da personificação da força da oralidade, dos saberes guardados no benzimento, mas sobretudo nas estratégias de criar memórias negras pela musicalidade, pela arte que se converte em educação e identidade. Aline, com a potência de sua editora e de sua trajetória, nos lembrou da importância de abrir caminhos para as vozes indígenas, porque sem essa irmandade não teríamos quilombos no passado e sem o fortalecimento desses laços no momento contemporâneo não teremos como tecer um futuro ancorado na equidade. Foi um encontro de ancestralidades vivas, em que pude experenciar verdadeiramente o sentido do que chamamos de memória como resistência e legado como prática cotidiana. Hoje eu sou um rio de gratidão!” – diz Mafuane Oliveira

Da esquerda para direita: Natália Neris, Chris Gomes e Maitê Freitas

À noite, Chris Gomes mediou a mesa “Colonialismos do Presente: silenciamentos, resistências e reescritas”, com a participação do historiador Thiago André, da travesti e psicóloga Andreone Medrado e do antropólogo Alex Ratts, integrante do conselho da Casa Sueli Carneiro. Durante o encontro, foi abordado como a memória pode ser uma disputa narrativa contra a hegemonia e a produção do esquecimento.

É fundamental esse espaço de debate e discussão que a Casa Poéticas Negras ofereceu ao público da FLIP. A possibilidade de discutirmos os colonialismos do presente iluminou uma necessária reflexão sobre o protagonismo de pessoas negras e LGBTQIAPN+ na ação política de construção de outros mundos e narrativas”, destacou Chris Gomes.

Da esquerda para direita: Chris Gomes, Andreone Medrado, Alex Ratts e Thiago André

No domingo de manhã, findamos a programação e ocupação com a mesa “Produzindo presenças: a importância de biografar mulheres negras” através do diálogo com Josane Silva Souza (UNEB) e o público. O encontro foi uma oportunidade rica não somente para discutir o tema mas também para ouvir da platéia suas sugestões de mulheres negras a serem biografadas. 

“A biografia, geralmente, é vista como um gênero textual para construir memórias reais sobre pessoas importantes e/ou que legaram algo imprescindível à sociedade. Diante disso, infelizmente, ainda existem poucas biografias sobre pessoas negras, mesmo que estas carreguem o mundo nas costas. Sendo assim, como forma de corrigir essas ausências, é fundamental biografar as presenças dessas pessoas para manter e honrar o nosso passado”, nos contou Josane Souza.

Da esquerda para direita: Josane Silva Sousa, Natália Neris e Maitê Freitas. 

Além do diálogo com o público, foi apresentado para o público o edital Biografias Fundamentais de Mulheres Negras Insurgentes que está com inscrições abertas até o dia 15/8.

FLIP Preta no Quilombo do Campinho

Em sua terceira edição, a FLIP Preta reafirma a centralidade da cultura negra e quilombola por meio da literatura e da oralidade. Com o tema “Memórias Ancestrais”, o evento reuniu autores e autoras negras de diversas regiões e durante três dias de atividades realizou shows, bate-papos e lançamento de livro com a presença  de autores do Quilombo de Degredo, Dona Benedita Martins, Flipeba, Tuca, Marli Aguiar, Esmeralda Ribeiro, Juliana Corrêa, Lili Dias e Alex Ratts.

Nesta, que foi nossa segunda participação na Flip Preta, a Casa Sueli Carneiro foi representada por Mafuane Oliveira — pedagoga, contadora de histórias e uma das facilitadoras do curso Fazedoras de Memória Negra. Na ocasião, Mafuane apresentou o livro Tessituras e estratégias: memórias negras organizadas, obra que integra a coleção da formação idealizada pela Casa e reúne transcrições de suas aulas.

O livro é uma parceria entre a Casa Sueli Carneiro,  Fundação Rosa Luxemburgo e a editora Oralituras e está disponível para download no link

Durante o evento, os livros foram distribuídos gratuitamente para educadores e lideranças locais.

Ao centro (em pé):  Mafuane Oliveira (Facilitadora do Curso Fazedora de Memórias Negras da Casa Sueli Carneiro)

Estou envolvida no projeto Fazedoras de Memórias Negras desde 2021. A maioria das atividades sempre aconteceu de forma on-line, e esta a terceira vez, em quase quatro anos, que tive o privilégio de ver as pessoas folheando o livro, se encantando e despertando, em si, a vontade de também criar memórias. Entregar os livros do Fazedoras em atividades presenciais como a FLIP e a FLIPRETA, para mim, foi uma forma concreta de reafirmar a materialidade das nossas histórias e das nossas vozes. É uma forma de dizer: “estamos aqui, escrevendo, publicando e nos reconhecendo mutuamente”. A distribuição gratuita dos livros, em um evento da magnitude da FLIP, que tem grande importância cultural, mas que também, contraditoriamente, carrega em si a dimensão da interdição, devido ao forte apelo comercial que impede que muita gente tenha acesso à compra de livros, torna essa ação ainda mais significativa e singela. Quando um exemplar chega gratuitamente às mãos de uma educadora, de uma jovem leitora, de uma anciã ou de uma pesquisadora negra que se vê representada ali, o livro deixa de ser apenas um objeto e se torna elo entre gerações, entre territórios, entre saberes e entre o Brasil que sonhamos… Um Brasil em que todas as histórias e memórias são respeitadas.

Com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e da Casa Sueli Carneiro, ainda foi possível, no dia seguinte à FLIP, visitar a escola do Quilombo da Fazenda. Lá, tive a oportunidade de distribuir exemplares dos livros Fazedoras de Memórias, além de dialogar com jovens e educadoras sobre as possibilidades de criar memórias negras e sobre os projetos educativos desenvolvidos pela Casa Sueli Carneiro e Chaveiroeiro.” – afirma Mafuane Oliveira

Mafuane Oliveira (ao centro) na Escola do Quilombo da Fazenda.

FLIPEduca: Roda de conversa Acervos e Práticas Pedagógicas que Curam

A FLIP Educa promove uma série de rodas de conversa voltada a adultos, em geral educadores, interessados em literatura feita para crianças e jovens e ocorreu na Casa de Cultura de Paraty. 

A Casa Sueli Carneiro participou da “Roda de conversa Acervos e Práticas Pedagógicas que Curam que contou também com Roseana Murray, Renilde Santos dos Passos (EMEF Dep. Caio Sérgio Pompeu de Toledo) com mediação de Iracema do Nascimento.

Da esquerda para direita: Natália Neris, Iracema do Nascimento, Renilde Santos dos Passos e Roseana Murray

Na conversa, compartilhamos dados sobre desigualdades raciais no acesso à educação, destacamos a importância das ações afirmativas e das práticas pedagógicas antirracistas e apresentamos o Constelações de Memória Negra como uma ferramenta fundamental para professores e professoras engajados na construção de uma educação mais plural e inclusiva.

Com sua presença em Paraty, durante a FLIP, a Casa Sueli Carneiro reafirma seu compromisso com a difusão da memória negra, a valorização de saberes ancestrais e o fortalecimento de redes, também em outros territórios, que conectam cultura, educação e justiça racial.

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