Bianca, por favor, conte qual foi o contexto de formação da delegação de organizações negras que esteve na Colômbia e no Chile?
O Instituto Marielle Franco tem acompanhado as movimentações políticas de mulheres negras pela América Latina. Com a notícia de que Francia Marquez seria candidata à presidência nas prévias eleitorais, convidaram algumas das organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos para ir à Colômbia conversar com Francia, com sua campanha, com os movimentos de mulheres negras, de juventude e de renovação política. Mas as datas das prévias na Colômbia (13/3) seriam muito próximas à posse de Guilherme Boric, no Chile (11/3) e também das atividades para cobrar justiça pelos 4 anos do assassinato de Marielle (14/3). Assim, fomos à Colômbia, depois ao Chile e na volta ao Brasil representei a Casa Sueli Carneiro no Festival Marielle Franco no Rio.
Quais foram as principais articulações políticas realizadas em cada um dos dois países?
Na Colômbia, estivemos em três cidades: Cali, Buenaventura e Bogotá. Em Cali, tivemos uma ótima reunião com o Centro de Estudos Afro Diaspóricos, espero que concretizemos os planos de pesquisa e intercâmbio de que falamos. Em Buenaventura, visitamos a Zona Humanitária, um território muito impactante, militarizado, formado por casas de palafitas sobre o Pacífico onde há muita violência e conflito armado. Também em Buenaventura encontramos movimentos e organizações que nos inspiraram muito a pensar metodologias feministas: a Red Mariposas e as Madres por La Vida. Para fechar com chave de ouro, tivemos um encontro que mais pareceu uma aula com Mara Viveros e Ochy Curiel.
Em Santiago, participamos de rodas de conversa com mulheres afrodescendentes, tanto imigrantes quanto moradoras do norte do país, descendentes de pessoas escravizadas. Também encontramos lideranças mapuches, feministas, ambientalistas e nos reunimos com quatro representantes do novo governo: Antonia Urrejola, ministra das relações exteriores; Marta Rios, ministra da justiça e dos direitos humanos; Antonia Orellana; ministra da mulher e da igualdade de gênero; e Luz Vida, subsecretaria para mulher e equidade. Também acompanhamos a posse do Presidente Boric desde a Praça de La Moneda, em Santiago. Que força testemunhar a história!
Quem é Francia Marquez, candidata negra à vice-presidência da República? Que forças políticas a levaram a esse lugar e lhe dão sustentação?
Francia Marquez é uma mulher preta do campo, de 40 anos de idade. Começou sua liderança ambientalista enfrentando a mineração e os deslocamentos forçados a que ela mesma e sua família foram forçados. Na cidade, Francia foi empregada doméstica e na faculdade de direito conheceu pensadoras negras latino-americanas. Francia é uma mulher do povo, que fala como o povo, e tem profunda conexão com os movimentos negros e feministas. A formulação coletiva de uma política pela vida, e de deslocar mulheres negras da resistência para o poder foi compartilhada por pessoas brancas-mestiças, como dizem por lá, indígenas, negras, vítimas de conflito armado, acadêmicas, progressistas, trabalhadoras. Francia se tornou uma mulher negra que representa todo mundo. Nas prévias, quando era candidata a presidenta, recebeu mais de 700 mil votos, 15% do total de votos do país. Ela foi muito bem! E por isso compõem uma chapa com Gustavo Petro em que é candidata a vice na chapa favorita.
Como foi o encontro com Francia Marquez? Quais são os desdobramentos na perspectiva de construção de uma “Améfrica Ladina”, termo de Lélia Gonzalez?
Eu não conseguia desviar os olhos dela. Uma tranquilidade com tanta presença. Ela tinha uma roupa estampada, de tecido africano, bem Lélia, com adereços de búzios e um semblante sério. No palco, na atividade final de sua campanha em Bogotá, ocupou o palco todo, mesmo com o corpo pequeno. Quanta força em Francia! O teatro estava lotado de todo tipo de gente, pobre, rico, jovem, velho, indígena, negro, branco. Tinha uma esperança no olhar das pessoas que emocionava. Esse reconhecimento de que somos africanas em diáspora nessa América Latina é fundamento na política de Francia. Ela fez uma homenagem bonita a Anielle Franco, convidou toda a comitiva brasileira ao palco. Disse que estamos em uma mesma luta na diáspora e eu concordo integralmente com ela. Se o racismo, o machismo, a lgbtqia+fobia não respeitam fronteiras, nossa luta também precisa ser comum. E ter uma mulher negra de luta na vice-presidência de um país tão importante na América Latina é estratégico para nossas conexões e ações conjuntas. Inspiradas por Francia, que foi inspirada também por Marielle, construiremos essa Améfrica Ladina de vida para todes.
Como foi acompanhar das ruas a posse do presidente Boric no Chile? Qual foi a temperatura das ruas em relação aos novos tempos que podem vir?
Ouvimos que desde Allende um presidente não discursava do Palácio de la Moneda. Havia muitos idosos emotivos nas ruas. Foi algo muito bonito, esperado por décadas e gerações. O Chile é um país muito racista, não é agradável para uma pessoa negra caminhar por Santiago. Ainda assim, era possível experimentar o frescor de se sentir em um lugar de liberdade; caminhar nas ruas sem medo; vestir vermelho, roxo, insígnias feministas sem nenhum problema. Sentimos um clima de alegria e muita esperança com o novo governo que se declarou feminista, com a maioria de ministras mulheres, com uma primeira ministra dos interiores mulher. Mas nos dias seguintes à posse, alguém atirou no carro de uma das ministras. Isso mostra que não será fácil e que o povo terá que ser firme para sustentar o governo com toda a agenda progressista anunciada.
Que avaliação a delegação fez dos resultados e desdobramentos, considerando os propósitos da viagem?
Tínhamos o objetivo de criar conexões afro-latinas e buscar inspiração em países que vivem uma retomada democrática a partir das ruas. O objetivo, portanto, foi cumprido. Vivemos um 8 de março em meio a 350 mil mulheres nas ruas de Santiago. Queremos movimento negro e feminista de massas aqui também. E voltamos apropriadas de experiências que podem nos ajudar a trilhar o caminho.