Em Movimento

Projeto de leitura promove acolhimento para mulheres encarceradas no Acre 

31/10/24

Professora quilombola deu continuidade ao grupo de leitura “Escrevivências da Libertação”, com incentivo do projeto Ler o Brasil, da Casa Sueli Carneiro

Cláudia Marques, mulher quilombola, professora universitária na licenciatura da Universidade do Acre, Rio Branco, e co-fundadora da Rede Mulheres Ações e parte Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas na Universidade, viu no programa Ler o Brasil, uma oportunidade de seguir com o projeto “Escrevivência da Libertação”, que acolhe mulheres encarceradas a partir da literatura, da escrita e da oralidade. .

Redes Mulheres Ações realizou um encontro com o Programa do Conselho Nacional de Justiça, a partir do Programa Justiça Presente, criado para reduzir a população carcerária feminina do Acre e discutir questões de gênero e raça. Foi então que nasceu, em 2022,  o projeto “Escrevivência da Libertação”, inscrito no Edital de Grupos de Leitura do programa Ler o Brasil, em 2023.

Os encontros tinham três bases teóricas principais: o conceito de escrevivência, criado por Conceição Evaristo, os círculos de cultura, de Paulo Freire, e o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal. “Essas mulheres mergulharam… E a gente conseguiu fazer o formato de leitura coletiva. Eram cinco mulheres, que tinham formação em escrita criativa, poesias…Íamos lendo parte dos livros selecionados, e elas tinham que escrever a partir do que era lido”, pontua Cláudia. 

“Nossa metodologia desenvolve processo de leitura, escrita e corporeidade. Para autodefinição, primeiramente entendendo quem eu sou, para depois criar instrumentos para estar em sociedade”, pontua Cláudia quando comenta sobre a condução dos encontros e os objetivos do diálogo com as mulheres. 

Com aporte do Fundo Brasil, em 2022, o projeto era composto por  20 mulheres negras privadas de liberdade, 60 policiais penais e servidoras do administrativo, 3 mulheres familiares e egressas atuando diretamente nas atividades do projeto. 15 pessoas envolvidas em algum nível dentre as equipes de trabalho, 30 a 40 pessoas das gestões e das diferentes instituições que foram acionadas,articulam ações, parcerias ou demandas. 11 pessoas da cela LGBTTQIA+ do presídio masculino e 5 policiais penais do presídio masculino, segundo matéria do portal ContilNet Notícias, realizada em 2022. 

Enquanto houver voz, escrita e leitura: o ponto de partida do projeto “Escrevivências pela Libertação”

O impulso de Cláudia para iniciar esse movimento junto com as mulheres encarceradas, veio a partir de um caso de racismo que sofreu dentro da universidade. Um aluno passou a fazer falas racistas no grupo de Whatsapp da disciplina, dizendo que a professora universitária estava sendo violenta em sala de aula, por conta da insistência na aplicação da Lei 10.639. 

Cláudia, por sua vez, abriu um processo com mais de 300 páginas de comprovação dos ataques racistas, com depoimentos de outros alunos, com o reconhecimento da comissão antirracista da universidade. A juíza, por sua vez, não reconheceu, e o promotor encaminhou o arquivamento do processo.

“E mesmo como professora universitária eu não tive acesso à justiça. E como fica o acesso das mulheres nas periferias? O Acre desponta dados alarmantes de encarceramento, em relação ao mundo. O Acre encarcera mais pessoas do que Estados Unidos e Rússia, proporcionalmente, em 2020. Em 2015, 100% das mulheres presas eram mulheres negras”

A inquietação dela em relação às causas sociais se iniciou em 2018, quando uma empreiteira de energia eólica tentou tomar as terras de Janaúba, desapropriando uma margem do rio que corta a cidade, que é também moradia quilombola. Relembrando seu pai, que na década de 1980 avisava os moradores sobre os golpes dos empresários com um megafone, Cláudia  Marques se posicionou contra a desapropriação. Buscando se proteger de possíveis ataques após barrar a empreiteira, resolveu realizar um concurso de professora substituta na Universidade Federal do Acre, sendo a única professora negra na área de licenciatura.

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