Incidência Política

1ª Reunião Ordinária do Comitê de Participação Social, Diversidade, Equidade e Inclusão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos

Por Natália Neris, coordenadora de incidência da Casa Sueli Carneiro

Bom dia a todas pessoas, gostaria de começar cumprimentando a mesa nas pessoas da Ministra de Estado Esther Dweck, da Chefe da  Assessoria Especial de Participação Social e Diversidade, Daniela Gorayeb, da  Diretora-geral do Arquivo Nacional Ana Flávia Magalhães Pinto e parabenizando o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos pela iniciativa do Comitê de Participação Social, Diversidade, Equidade e Inclusão – CPADI. 

Muito prazer, sou Natália Neris e é uma honra estar aqui hoje representando – como coordenadora de Incidência Política – a Casa Sueli Carneiro. 

Esta organização – que tem sede na casa onde Sueli Carneiro viveu por 40 anos, no Butantã em São Paulo -, foi fundada em 2020 com o objetivo de preservar e difundir o acervo pessoal (hoje composto por mais de 4000 documentos) de Sueli Carneiro, que é uma referência para a luta antirracista, feminista e pelos direitos humanos. Além disso, nossa missão inclui fomentar ações culturais, educativas e de pesquisa que valorizem as contribuições do pensamento negro e das lutas antirracista para a construção de um país mais justo.

É a partir desse lugar de atuação e engajamento que quero responder à pergunta proposta pelos organizadores desta reunião e refletir hoje sobre o papel dos Arquivos Comunitários na qualificação da Política Nacional de Arquivos. Quero então começar dizendo que arquivos como o da Casa Sueli Carneiro, bem como de tantas outras iniciativas comunitárias espalhadas pelo Brasil, são mais do que repositórios de memória. 

O Acervo Bajubá, a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Brás de Todo o Mundo, Casa do Povo, Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, o Centro de Memória das Lutas Populares Ana Dias, Centro de Memória e Museu da Brasilândia, Centro de Memória Queixadas, Centro Popular de Documentação do Pirambu,  Arquivo e Memória Nacional do MST, Zumvi – Arquivo Afro-Fotográfico, Cultne, além das mais de 900 iniciativas mapeadas no nosso projeto Constelações de Memórias Negras são espaços vivos de resistência, onde histórias frequentemente silenciadas encontram o seu devido protagonismo.

Os Arquivos Comunitários desempenham um papel único e insubstituível, pois preservam memórias que frequentemente não são priorizadas por instituições arquivísticas formais. Eles contam histórias de populações marginalizadas – povos indígenas, comunidades quilombolas, pessoas LGBTs, movimentos sociais, trabalhadores e periferias urbanas – que são fundamentais para entendermos quem somos como sociedade. Esses acervos trazem registros de práticas culturais, resistência política e organização comunitária que complementam ou desafiam as narrativas oficiais, muitas vezes centralizadas em instituições governamentais ou grandes centros urbanos. Ao dar visibilidade a essas memórias, os Arquivos Comunitários ajudam a combater apagamentos históricos e promovem a inclusão.

Além disso, eles têm um papel pedagógico1 e social: educam as novas gerações, fortalecem laços identitários e fomentam a cidadania ativa. O impacto disso vai muito além da memória; ele fortalece a democracia.

Como sabemos, a Política Nacional de Arquivos estabelecida pela Lei 8.159/1991, em sua essência, visa regulamentar a gestão documental no Brasil, assegurando transparência, acesso à informação e preservação do patrimônio documental. Mas, ao focar em arquivos públicos e institucionais, a política tem historicamente negligenciado a riqueza e a diversidade dos Arquivos Comunitários2. Este é um ponto que precisa ser qualificado e vem sendo disputado pela sociedade civil organizada.

Os Arquivos Comunitários podem contribuir de diversas formas para essa Política: (i) ampliando o escopo da documentação preservada (a integração dos Arquivos Comunitários à política nacional garantiria que histórias locais e de grupos excluídos sejam reconhecidas como parte do patrimônio nacional); (ii) aprimorando práticas de gestão documental (a troca de saberes entre Arquivos Comunitários e instituições formais pode enriquecer metodologias de preservação, especialmente em contextos de escassez de recursos); (iii) fortalecendo a participação social (a inclusão desses acervos promove o diálogo entre diferentes setores da sociedade, democratizando o acesso à informação e fortalecendo a função social dos arquivo) e (iv): garantindo recursos e apoio técnico (ao reconhecer os Arquivos Comunitários como parte integrante da política, podemos assegurar mecanismos de financiamento e capacitação técnica para sua manutenção). 

Claro, essa integração não está isenta de desafios. Nós precisaríamos repensar estruturas hierárquicas e burocráticas que dificultam o reconhecimento dos arquivos comunitários. Seria necessário também combater o preconceito institucional que, muitas vezes, deslegitima essas iniciativas por não seguirem padrões formais ou regramentos arquivísticos. 

Por outro lado, as oportunidades são imensas. A retomada por exemplo da discussão do PL 2789/2021 que altera a Lei 8.159/1991 e a inclusão de alguns dos pleitos da sociedade civil (formalizadas inclusive num Abaixo Assinado que demanda a inclusão dos Arquivos Comunitários e populares e de movimentos sociais na Lei de Arquivos) e possibilidade de participação de organizações que representem Arquivos Comunitários no CONARQ, por exemplo, podem no médio prazo impulsionar políticas públicas voltadas à formação e financiamento e consequentemente transformar essas iniciativas em referências para a construção de memórias plurais e acessíveis.

Temos na museologia social, guardadas as diferenças entre os campos, um exemplo interessante do caminho que pode ser percorrido. 

Concluo afirmando que os Arquivos Comunitários existem em número expressivo, resistem à despeito do baixo apoio institucional,  e não são apenas complementos, mas partes fundamentais de uma Política Nacional de Arquivos que realmente represente a diversidade do Brasil.

Reconhecer, apoiar e integrar esses acervos é um passo crucial para que se promova uma política pública de reparação, considerando apagamentos históricos realizados pelo próprio Estado brasileiro. Ao qualificar nossa política nacional com a riqueza dos Arquivos Comunitários, estamos também construindo um país mais justo, democrático, participativo e consciente de sua pluralidade.

Por fim, colocamos a experiência, trabalho e reflexões da Casa Sueli Carneiro – neste momento que inaugura uma abertura à participação popular – à disposição deste Ministério e do Arquivo Nacional. 

Muito obrigada!


  1. No sentido pedagógico, vale citar que acervos afros possibilitam a instrumentalização de práticas educativas voltadas para a promoção de uma educação étnico-racial e aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2009.
  2. Embora contemple “arquivos privados de interesse público e social” a não-menção expressa aos arquivos comunitários e de movimentos sociais, teve como consequência ao longo das últimas décadas o baixo reconhecimento de iniciativas, bem como sua baixa cobertura em termos de políticas públicas.
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