Ler o
Brasil

Da leitura como remição de pena ao acolhimento de mães em situação de vulnerabilidade, Nahyá desenvolveu a metodologia do afeto a partir da Sala de Leitura do projeto Ler o Brasil.

NAHYÁ, Rio de Janeiro – Sala

“Percebe-se muito que essas mães não sabem nomear o que acontece com elas. Mas, depois da leitura, da identificação com um personagem, construindo essa interpretação, elas conseguem se identificar, e aí vai se criando uma rede de identificação”

“Minha metodologia é do afeto”, aponta Nahyá Soares, participante do programa Ler o Brasil da Casa Sueli Carneiro, que construiu uma Sala de Leitura na Casa Mãe Mulher, no Rio de Janeiro, organização social que atua com mães e crianças impactadas pelo sistema socioeducativo. O primeiro livro trabalhado por ela foi “Olhos D’água”, de Conceição Evaristo.

A trajetória de Nahyá com o sistema socioeducativo iniciou-se em 2018, realizando encontros de leitura com mulheres trans e travestis, que resultaram na conquista de remição de pena dessas mulheres. O interesse pela pauta carcerária veio de um incômodo com a marginalização desses corpos e vivências, e em coletivo, conquistou a remição de pena após quatro anos com trabalho de leitura com pessoas trans dentro dos presídios. Nahyá conta que a remição se tornou um detalhe, frente ao envolvimento da comunidade leitora com os livros propostos por ela.

Ao ser provocada por uma psicóloga do sistema, passou a olhar de outra forma essas mães e crianças que ficavam na porta esperando para visitar seus filhos, iniciando seu voluntariado na Casa Mãe Mulher. Começa a perceber outras camadas da exclusão social de pessoas no sistema socioeducativo, e principalmente, o lugar das mães e crianças que são familiares dos adolescentes e jovens do sistema. A Casa Mãe Mulher, localizada em Degase Belford Roxo (RJ), é uma organização sem fins lucrativos criada para apoiar e acolher mulheres negras nessa situação.

Casa Mãe Mulher

Sandra Santos era incomodada. Bisneta de quilombola, passou a integrar a luta por reconhecimento do Quilombo Preto Forro, fundado pelo seu bisavô e localizado em Cabo Frio, Rio de Janeiro. E, como muitas mulheres negras que percebem os desconfortos ao seu redor, resolveu construir algo com esse incômodo em relação ao tratamento de mães e crianças ligadas à adolescentes e jovens do sistema socioeducativo.

Assim, nasceu a Casa Mãe Mulher, que em um primeiro momento servia uma comida caseira para essas famílias, e hoje passa a oferecer atividades de leitura, alfabetização e lúdicas.

“Essas e outras questões nos movem e por isso travamos essa luta junto às mães pela dignidade dessas famílias e pelo respeito aos direitos humanos, fortalecendo mulheres que vivenciaram a maternidade sem a estrutura adequada e, consequentemente, carregaram e carregam diversos fardos sociais. Aqui nós olhamos para as mães. Reconhecer a dignidade da vida dessas mulheres é o nosso objetivo principal”, conta Sandra, para o site da organização.

“A mulher que tem seu companheiros, filho ou filha, preso por medida socioeducativa, é duplamente culpada”, afirma Nahyá Soares. E para além da culpa, essas mães e crianças não são acolhidas pelo território, assim como a organização Casa Mãe Mulher também não é. A leitura passou a ser um processo de politização e conscientização do bairro.

“A minha proposta da Sala de Leitura é que essas mulheres encontrem prazer. Antes de comprar os livros com o edital, eu comecei uma pesquisa de campo, eu queria muito comprar bell hook e Ailton Krenak, mas falei ‘epa, esses livros não são pra mim”. Com muita conversa, e conseguindo conquistar a confiança dessas mulheres, Nahyá Soares percebeu que muitas eram semianalfabetas, mas que tinham interesse por livros, principalmente os de romance.

Nahyá Soares buscou construir um acervo que pudesse atender os imaginários e interesses dessas mulheres. O primeiro encontro foi dia 29 de junho, com a obra Olhos D’água, de Conceição Evaristo.

As crianças filhas dessas mães também foram consideradas para a construção desse acervo. Nahyá Soares fez questão de comprar livros infantis para que as crianças pudessem ter acesso também à literatura, trabalhando o olhar da racialidade.

A Sala de Leitura tem se tornado um espaço de prazer e de oferecer alfabetização para essas mulheres. “O meu principal ponto pode ser que o livro faça elas largarem um pouco o celular. A gente tem um problema em que muitas vezes a gente consegue ler a manchete de um jornal, mas não a matéria porque a matéria gasta dados móveis, e as pessoas acham que estão se informando”, afirma Nahyá Soares.

“Percebe-se muito que essas mães não sabem nomear o que acontece com elas. Mas, depois da leitura, da identificação com um personagem, construindo essa interpretação, elas conseguem se identificar, e aí vai se criando uma rede de identificação”.

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